domingo, junho 25, 2006

O Canto da Augusta

imagem: Marcos Caldo




O Canto da Augusta


Com o latir do cão
vadio – me desperto.
Um gole de veneno
Leva-me noite adentro.
A presa se torna fácil
Quando quem caça,
não deseja muito.

Um cigarro em mãos erradas...

Na rua Augusta,
a pólvora é pálida.
Em nome do pecado,
um tiro santo.
Na tua carne de segunda
ou terceira...
Faço meu banquete.

Bebo desse pecado.
Embriagado, suor
vira perfume.
Ao som da flauta,
teu gemido doce
é canto lírico.
Dança ballet clássico
sob luzes de néon.
Sem pudor,
mostra-me tua arte.
Faz da cama bolorenta
teu palco, do ofício
uma peça improvisada.
Goze da tragédia,
Nessa vida – mentir
é o segredo para comédia.

Um cigarro em mãos erradas...

Assim...Desse jeito!
Esta ficando bom,
Esta ficando rápido.
Feche os olhos
e renegue a vida eterna.
Quero apodrecer junto de ti,
nesse mundo degradante.
Agora falta pouco,
as cortinas irão se fechar
dentro de alguns instantes.
Não espere por aplausos.
No cio, feitores alucinados,
correm atrás de fidalgos.

Um cigarro em mãos erradas...

Cubra teu corpo com espinhos
e deite neste leito incestuoso.
A taça nas tuas pernas
realça o sabor do vinho;
Tinto – não seca minha boca.

Só apaga as lembranças...

Na rua Augusta.
Em nome do pecado,
um tiro santo.

Amém.......................... .... .... . . ......... . ................. ........... . . ................... . . .

Marcos Caldo

sexta-feira, junho 16, 2006

Pena dos meus Dias

imagem: artista desconhecido (infelizmente...)

Pena dos meus dias

Agradeço a tinta da minha pena
Os borrões a as linhas infinitas
Do tempo que tracei distraído
Quando apenas imaginava o que seria
Do rascunho dos meus dias

Foram tantas páginas em vão
Outras que rasguei antes do fim
Palavras perdidas que me descrevem
E que nunca foram ditas

Talvez eu seja aquele livro
Maldito nas mobílias em desuso
Algum tipo de “língua morta”
Numa boca calada por si só.

Apanhei nos campos de centeio
O que não pudi carregar
Durante esses 100 anos de solidão
Por mais leviano que seja
A insustentável leveza do meu ser
Muita coisa ficou para trás

No covarde limite consciente
Dos planos não realizados

Descrevi em cinematecas abandonadas
A cegueira vertiginosa dos animais
Domesticados nas fileiras cotidianas
Desfrutando de iguarias momentâneas
Indigestas sobre a mesa derradeira

Sinto o terror das mãos entrelaçadas
Unidas pelo eterno fracasso virtuoso
Emergentes sociais do naufrágio
Não se lembram da tragédia
E tentam afundar seu passado
Antes que a maré impiedosa
Resgate toda lembrança constrangedora
Dos nossos dias menos afortunados

Onde foram esconder tanta mentira?

Pena que a minha tinta
dessas horas já acabou...

Marcos Caldo

terça-feira, junho 13, 2006

Suicídio no Jardim

imagem: artista descomhecido
Suicídio no Jardim


E agora é a hora
Que a tristeza ordinária
Sai solitária para passear
O corpo chora calado
Sem motivo, um ser
Emotivo que não sabe
Viver, sem sua alma
Perdida nas dores
De sonhos matutinos
Que não se realizaram
Com o despertar do relógio
A infância amadurece
Mais e mais antes de cair
Amarela, como fruta podre
Aos pés da planta mãe
Que lhe deu origem
Suportando o dever
De ver, durante sua vida
Essa queda tão sofrida
Que faz um filho morrer.

Marcos Caldo

domingo, junho 11, 2006

Cara Pintada

imagem: artista desconhecido

Cara Pintada

O poente da estrada de terra vermelha, cara pintada.
A lua branca pára, pálida. O vento sopra o fogo para dentro do corpo, apegado à carne que sobra crua no sal, a água não é mais doce, o mar não é mais rio.
Banha, o suor que escorre saboroso de peles sob atrito. Dentes caem sob algum animal indefeso, banha... Vinho tinto sangra na pedra covarde de sacrifício. –Saúde.
É uma pena. Não, é um índio solto no jardim, o vaso quebrado que brota infeliz na terra vermelha, cara pintada.
Onça valente! - Mas que belo tapete senhor cruel.
Qual será o sabor de uma bala crivada na tua boca? O mesmo de antigamente perdeu o valor, agora corre para se salvar de enciclopédias ortodoxas, e vive perdido em cativeiros ociosos. Uma maravilha escondida do arrivista íntimo das massas, dos alimentos podres alojados em geladeiras esquecidas.
Onde já se viu? Agora se troca saudade por futuro sem levar nada de recordação, só a mesma lembrança perde o sentido cinco vezes. O caminho chega a ser cansativo, léguas e línguas nos confundem. Talvez algum nômade possa explicar o motivo da viagem, com algum mapa astral ou cartas na manga. Estou vendo, não passa de outro espelho fora da validade, sem marca o ferimento não dói na pele vermelha, cara pintada.
Agüente mais um pouco, não vá entregando a sua vida assim para qualquer um. Você já leu o jornal de hoje? -Falam cada coisa.

Marcos Caldo

terça-feira, junho 06, 2006

A Estação

imagem: artista desconhecido

A Estação

O lugar não é mais o mesmo
As pessoas também mudaram
O vento ainda sopra forte
Quando o tempo sem você
Arrasta-se em ponteiros atrasados
Do destino perdido em veredas
Nos porões de mãos atadas
Que acenam quando livres
Da janela escura em movimento
Vejo-te partir sem lágrimas
Nos olhos que disseram pouco
No caminho de volta solitário
Meus passos perdidos sem os teus
Querem seguir pelas lembranças
De fotos tiradas na saudade
Folheio momentos em memória
Por onde passamos juntos
E nunca tivemos realmente
Certeza de sonhos impossíveis
A'corda, antes de expectativas.
Rompe breve para não ferir
Teu regresso a essa estação
Que passo agora sem você.

Marcos Caldo