sexta-feira, julho 28, 2006

Dose Drágea, 15mg. (notícias de hoje)

imagem: Spun


Dose Drágea, 15mg. (notícias de hoje)

Miro as dores mundanas
Nos escombros do teu ser
Sendo as fraquezas que sinto
Na tempestade dos teus olhos
Viciados na mesma direção
Desbotando o azul do céu
E tingindo ainda mais
De cinza o meu chão

O caminho dos dias sem sol

Em bares noturnos
O café da manhã
As bancas sem jornais
Esperando por notícias
Semelhantes às de ontem
Nas páginas do presente
A surpresa cotidiana
Empacotada em cores quentes
Ardente aos olhos inebriados
Quase fechados pela manhã

O caminho dos dias sem sol

De hoje eu não passo
Não quero amanhecer
Em outro dia moldado
Nas formas da rotina
Vejo a mesma luz vermelha
De faróis sem mar aberto
A correnteza das ondas
Itinerárias que me trazem
Sempre pelo mesmo caminho
De volta para a casa dos sonhos
Que juntos, nós desconstruímos

Esbarro em desconhecidos
Figurantes da minha existência
São náufragos a mercê da sorte
Nessas águas vertiginosas
Que trazem o segredo do amanhã
Em botes salva-vidas; ou não.

De hoje eu não passo

O balanço enjoativo que sinto
Com o aroma adocicado das flores
Exalado em oferendas insignificantes
Comparadas a imensidão do mar
Da tua beleza que se vai
Para traz do vil horizonte
Rumo ao sol que ti ilumina
E reflete minha tristeza
Para algum lugar distante

Dessa água ardente
Servida em “dose drágea”
Prescrita por algum louco
Que não sabia nadar
Dizia ser médico até ontem
Mas hoje cedo se afogou

A caminho do hospício
Encontrei uma opinião
Que vagava consciente
Por caminhos que desconheço
sem influência nenhuma
da natureza humana
seguindo a mais mundana
das intuições paralelas
sugeridas em estudo.

Não vou dizer o óbvio

Marcos Caldo

sexta-feira, julho 14, 2006

Reflexo

imagem: Magritte
Reflexo


Acordou bem cedo, enquanto o orvalho ainda dormia no colo das folhas, ele já despertava com a água fria que caia do chuveiro para esquentar no seu corpo. As cobertas já tinham se arrumado na cama e a chaleira chorava suas mágoas para fora do fogão. Com o café tomado em copo “americano”, voltou para o quarto e colocou o terno que pegara emprestado de seu tio. Não era do tamanho exato, sobrava nas laterais, dando-lhe um certo desequilíbrio a cada gesto que fazia em frente ao espelho, daqueles que ficam fixados atrás da porta do guarda-roupa.
- Por que será? Ele sempre perguntava se ali era o lugar ideal para tal objeto, mas isso não vem ao caso...Outras dúvidas eram mais importantes no momento.
Sentia-se inseguro, queria conversar com alguém. Como isso nem sempre é possível, parou diante do retrato de seus pais que ficava na escrivaninha e pôs-se de joelhos. Rezou com fé pedindo coragem, imaginou até uma bronca da sua mãe, por não ter dado corretamente o nó na gravata. Lembrou de tanta coisa que não passaram juntos.
Em silêncio enxugou a lágrima, se benzeu e levantou pensando no futuro. Foi novamente até o guarda-roupa, abriu a porta que guardava o espelho, parou diante dele e não se viu.
Agora ele já era outra pessoa.

Marcos Caldo