sexta-feira, agosto 25, 2006

Montmartre Café - parte.1

imagem: Peter Fennell
Montmartre Café
[part.1]

Já que não há como fugir disto...
Me chamo Arthur Mont´Martre, tenho 20 anos, nasci em Ribeirão Preto e fazem seis meses que estou morando aqui em São Paulo, mais precisamente numa quitinete alugada num dos cartões postais da cidade, o Copan, carinhosamente por mim apelidado de “viveiro humano”.
Resolvi tentar a vida aqui na metrópole seguindo os meus ideais, estes, que futuramente me expulsariam do “interior do estado”, por Seleção Natural, como diria Darwin. Ou por antagonismo provinciano e ignorante por parte daqueles “pés-de-cana”, como eu mesmo digo.
Conflitos a parte, tive uma ótima infância até a quarta série do escolar...Depois disso, comecei a entender melhor as relações humanas e desisti de vez da nossa espécie. Não pense que faltou amor por parte dos meus pais, ou mesmo que eu tenha sofrido algum trauma de infância, pelo contrário, tinha direito a três refeições diárias e o final de semana livre para fazer o que bem entendesse, desde que fosse a missa todo domingo.
Sobrava tempo, e a coisa que eu mais gostava de fazer era ficar admirando com um certo sarcasmo os pequenos conflitos que cruzavam diariamente o meu caminho, não sei por que, mais parece que eu atraio esse tipo de coisa.
Talvez por influencia externa, fui crescendo com um certo pessimismo e comecei a vagar pelas noites ribeirãopretanas com uma caneta e um caderninho na mão, para registrar essa degradação explicita, que é oferecida gratuitamente por nossos semelhantes.
E só fui perceber que o tempo da minha adolescência tinha se esgotado, quando vi a porta do último bar que passei solitário, na noite do meu aniversário de dezenove anos, se fechar quando meu braço ainda estendido no chão, implorava pela última garrafa de vinho que sobrava solitária no armário do estabelecimento.
Foi assim, como numa visão, que entendi que tinha sido contaminado pelo vírus que corrói a sanidade dos infelizes; que eu era hospedeiro deste mal que confunde a realidade com a necessidade dos eternos prazeres. Que à noite daqui pra frente seria eterna. Que escreveria sobre o meu próprio conflito.
- Aos dezenove anos descobri que eu era poeta, músico, boêmio e conseqüentemente alcoólatra da minha maneira.
Toda grande descoberta traz consigo uma nova mudança, que nem sempre é grandiosa; e quando tomei a decisão, ao contrário do que muitos devem estar pensando, não estava fugindo de nada. Entrei em casa de cabeça erguida pela última vez antes de abandoná-la sem remorso.
A casa era a mesma dos dias comuns, mas sentia algo diferente no ar, talvez uma saudade que minha mãe já expressava nos traços sem cor daquele que talvez seria o último quadro que viria ela pintar com lágrimas nos olhos, por me ver chegar daquele jeito.
Entrei desnorteado em meu quarto e arrumava aos prantos a mala fúnebre que levaria para sempre as minhas lembranças. Não ouvi batidas na porta, e sem pedir licença meu pai entra no quarto e senta em minha cama. Não havia hostilidade em seu olhar, talvez por isso, não soube como reagir a seu sofrimento e fui alvo de uma força tremenda, esta que me fez sentar ao seu lado, pela primeira vez e abraçá-lo verdadeiramente, sem dizer uma só palavra.

*Continua...

Marcos Caldo

1 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Texto autobiográfico???
Vc está escrevendo incrivelmente bem!!! Parabens!!!
Saudades de vc!!!

8/29/2006 2:28 PM  

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